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quinta-feira, março 03, 2005

 

181 - BORGES Y YO

Com a leitura do Abrupto, de José Pacheco Pereira, fui reencaminhado para o Bomba Inteligente (que também leio com regularidade), e onde pode encontrar-se um admirável e célebre texto de Borges (Borges y yo), imaginem... lido pelo próprio Borges.
Que emoção...
Não resisto a tentar multiplicar aqui a sua leitura e audição.
Vale a pena.
Eu já tinha, há mais de um ano, chamado também a atenção para este texto de Borges, a propósito da existência em português de uma outra versão, da autoria de Ruy Belo - esta, a reproduzida no Bomba... é do também poeta Fernando Pinto do Amaral.
Aqui a deixo também, para enriquecer a leitura.
Mas sobretudo acompanhem-na ouvindo o próprio Borges, e insistam com a Bomba Inteligente para que não apague a versão sonora, deixando o link no post onde colocou o texto.
BORGES Y YO
Deste texto existem portanto duas versões em português: a primeira, cronologicamente, da autoria de Ruy Belo, in Jorge Luis Borges, Poemas Escolhidos, Pub. Dom Quixote, 1971 e 2003 (ed. bilingue); a segunda de Fernando Pinto do Amaral, incluída no vol. II das Obras Completas de Jorge Luís Borges, Teorema, 1998.
Borges está bem em qualquer das versões. Aqui fica então a de Ruy Belo. A outra fica no blogue Bomba Inteligente.
É ao outro, a Borges, que acontecem as coisas. Eu caminho por Buenos Aires e demoro-me, talvez já mecanicamente, a olhar o arco de um alpendre e o guarda-vento; de Borges tenho notícias pelo correio e vejo o seu nome num grupo de professores ou num dicionário biográfico. Gosto dos relógios de areia, dos mapas, da tipografia do século XVIII, do sabor do café e da prosa de Stevenson; o outro compartilha dessas preferências, mas de um modo vaidoso, que as converte em atributos de um actor. Seria exagerado afirmar que as nossas relações são hostis; eu vivo, eu deixo-me viver, para que Borges possa tecer a sua literatura e essa literatura justifica-me. Nada me custa confessar que conseguiu certas páginas válidas, mas essas páginas não me podem salvar, talvez porque o que é bom já não é de ninguém, nem sequer do outro, mas sim da linguagem ou da tradição. Além do mais, eu estou destinado a perder-me, definitivamente, e apenas algum instante meu poderá sobreviver no outro. A pouco e pouco vou cedendo-lhe tudo, embora não desconheça o seu perverso costume de falsear e de magnificar. Spinoza entendeu que todas as coisas querem perseverar no seu ser; a pedra quer eternamente ser pedra e o tigre um tigre. Eu hei-de ficar em Borges, não em mim (se é que sou alguém), mas reconheço-me menos nos seus livros que em muitos outros ou que no laborioso zangarreio de uma viola. Há anos procurei libertar-me dele e passei das mitologias do arrabalde aos jogos com o tempo e com o infinito, mas esses jogos são agora de Borges e terei de idealizar outras coisas. Assim, a minha vida é uma fuga e perco tudo e tudo é do esquecimento ou do outro.
Não sei qual dos dois escreve esta página.

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